Hawaii é a meca do surf, e todo surfista que se preza sonha em surfar as ondas do North Shore da ilha de Oahu. Eu, claro, não era exceção a esta regra, e para mim o sonho se tornou realidade em 1987. Tudo começou quando eu estava em New York, cursando uma extensão do MBA na NYU. Mantive contato com um amigo de infância, Alex Rosen, que cursava Biologia Marinha na Universidade de Hawaii. Ele disse que se eu pudesse bancar a viagem, me hospedaria em sua casa, em Diamond Head, Oahu. Assim que terminei o curso, procurei um emprego e acabei trabalhando para uma empresa de mudanças. Foi perfeito, pois não apenas pagava muito bem, como me permitia fazer exercício físico todo dia. Minha primeira mudança foi um piano! Acho que o dono da empresa queria me testar! Trabalhei por 3 meses, tempo suficiente para economizar dinheiro não apenas para a viagem, mas também para comprar meu primeiro computador, um IBM Portable. Então, em setembro de 1987, voei para o Hawaii para minha primeira surf trip de classe mundial.
Alex me recebeu como como se fosse um verdadeiro irmão. Me senti totalmente bem-vindo em sua casa de Diamond Head. Ele e a Brenda formavam um divertido casal, sempre de bom humor, deixando o ambiente leve e divertido. A casa era pequena, porém aconchegante, e ficava pertinho de uma praia chamada Cromwell's Beach. Virando à direita, era possível caminhar até o Diamond Head Beach Park, um pico mais conhecido pelo windsurf, mas também bom para o surfe. Foi lá que eu peguei minhas primeiras ondas no Hawaii.
Além de dedicar seu tempo aos estudos de biologia marinha, Alex também era um apaixonado pelo surfe. Nos momentos em que não estava mergulhado nos livros e projetos da faculdade, ele me me levava para surfar em alguns secret spots que ele conhecia. Esses locais secretos, conhecidos apenas por surfistas locais, eram verdadeiros paraísos de tranquilidade, longe do crowd e dos tumultos das praias mais conhecidas.
Uma das dicas que o Alex me deu foi que, devido à grande afluência de turistas em Honolulu, existia um florescente mercado de pranchas e scooters semi-novas com excelentes preços e em ótimo estado, e recomendou que era melhor comprar do que alugar. As condições dos equipamentos de aluguel (em especial pranchas de surf) seriam muito ruins, e para quem iria ficar um mês na ilha fazia mais sentido comprar. Até porque, assim como era facil comprar era igualmente facil vender, na hora de ir embora.
E foi assim que então, logo ao chegar, comprei a minha prancha de surf, uma triquilha da Town & Country branca, 6'2", em perfeito estado, e também uma scooter semi-nova, que me deu liberdade de passear pela região de Diamond Head e Honolulu sem depender do carro do Alex, que usávamos apenas para ir ao North Shore. A foto mostra minha triquilha e a quadriquilha do Alex, que não lembro a marca, mas que de vez em quando eu pegava emprestada e era boa para ondas com formação mais buraco e tubulares.
Diamond Head é uma cratera de vulcão com formato de cone que fica bem na ponta sul da ilha de Oahu. Seu nome havaiano é Le’Ahi que significa "sobrancelha do atum" porque de longe a cratera parece o dorso e barbatana de um atum. Em 1820 quando britânicos desembarcaram na ilha e encontraram no vulcão cristais de calcita, um minério constituinte do calcário, acharam que eram diamantes, e passaram a chamar o vulcão de Diamond Head. Imagina a decepção deles quando descobriram que os cristais não eram diamantes...
O surf na base do vulcão é mais tranquilo do que o North Shore, o que para mim foi ótimo para dar uma "aquecida" na musculatura do surf, já que cheguei no Hawaii completando quase um ano sem pegar onda.
A primeira coisa que me impressionou foi a potência da onda sobre a bancada de coral. Nada parecido com as ondas sobre fundo de areia que eu estava acostumado no Rio de Janeiro. Surfando ali conheci também pela primeira vez o afiado coral havaiano. Felizmente tive apenas cortes leves, e aprendi muito rapidamente a tomar cuidado.
Dos muitos picos que surfei no North Shore, os meus favoritos foram Laniakea, Chuns Reef e Sunset. Eu tinha planos de surfar em Pipeline, porém ao chegar lá achei a vibe muito agressiva. Assisti o Michael Ho dropar na frente de alguém e empurra-lo para fora da onda. Decidi que não precisava daquilo e fui atrás de outras ondas com um lineup mais tranquilo.
Quando planejei minha viagem para o Hawaii não fazia parte do plano pegar ondas grandes, o foco era pegar ondas perfeitas. Até porque não queria colocar minha trip em risco... e foi com essa mentalidade que me dirigia ao North Shore atrás das melhores ondas do mundo.
Um belo dia cheguei em Laniakea. Uma praia de ondas distantes localizada pouco depois de Haleiwa e antes de Chun's Reef. Eu não conhecia o pico, e alguém comentou que estavam rolando altas ondas, então fui checar. Chegando na praia vi que as ondas quebravam super longe.. uns 360 metros da praia (usei o Google Maps para medir), e assim de longe parecia um tamanho legal. Percebi que tinha canal para entrar então parti para dentro d'agua.
Depois de uma longa remada cheguei no pico e me deparei com o tamanho das ondas.. enormes! De longe não dava para ter noção do quanto estava grande! Talvez eu nem teria entrado.. porém já estava lá, então fiquei sentando na prancha, dentro do canal, avaliando o que fazer..encarar ou não aquelas ondas. Aos poucos fui observando a constância do swell sobre a bancada de coral, as ondas quebravam nos mesmos lugares e com a mesma formação. Fui observando como os outros surfistas se posicionavam, onde entravam nas ondas e fui construindo minha confiança. Depois de não sei quantos minutos tomei coragem e remei pro lineup.
Quando chegou minha onda me joguei nela com o pensamento em não inventar nada que pudesse me complicar na onda - dropar, cavada básica na base, subir na parede e seguir uma linha simples de surf. E assim foi, dropei o paredão, fiz tudo com segurança e foi uma onda fantástica, longa, perfeita, como nenhuma outra que eu havia surfado. Essa onda me encheu de confiança para voltar para mais, e assim encarei a longa remada pelo canal de volta ao pico, onde passei as próximas 3 horas pegando as maiores ondas da minha vida. Depois soube pelo surf report que havia acabado de encarar Laniakea com 6 pés havaianos, o que corresponde no Brasil a um tamanho de onda de 3,5 metros (entenda aqui a diferença de medições de tamanho de ondas). Hoje não lembro exatamente que dia que foi essa caída em Laniakea, porém nunca esqueci a sensação de descer o que viriam a se tornar as maiores ondas da minha vida.
Oahu tem muito mais a oferecer a surfistas turistas do que apenas ondas, portanto, quando não estava surfando eu partia para diversas atividades, como vistar parques, assistir dança hula, subir em vulcões, etc. Meu local favorito definitivamente foi Hanauma Bay, uma reserva marinha protegida, composta por um vulcão o qual parte da cratera cedeu permitindo que o mar adentrasse seu interior, formando uma linda bancada de coral, onde os turistas fazem snorkel entre diversos tipos de peixes coloridos. Alex me apresentou à Linda, uma amiga oceanóloga, que não apenas era muito engraçada, como adorava atividades ao ar livre, e acabou fazendo a gentileza de me levar para muitos dos lugares mencionados acima.
Quando Alex me falou que eu não deveria deixar de surfar no Kauai, eu concordei imediatamente, sem imaginar que ali pegaria as melhores ondas da surf trip. Peguei uma carona em um aviãozinho teco-teco (que dá uma história a parte, vide abaixo) e aterissei na ilha também conhecida como "A Ilha-Jardim". Aluguei um carro, que seria minha casa por alguns dias (outra história a parte) e parti para dar a volta na ilha atrás dos locais de surf recomendados e também do visual, desta que é considerada a ilha mais bonita do arquipélago havaiano.
Hanalei Bay merece um capítulo à parte. Se o objetivo da minha viagem ao Hawaii foi pegar ondas perfeitas, ali foi onde realizei meu sonho, em uma praia chamada Waikoko Beach, no canto esquerdo de Hanalei Bay. Esquerdas perfeitas, tubulares, moldadas por um leve terral. Além de mim havia apenas dois outros surfistas dentro d'água. Entubei algumas vezes, e jamais esquecerei aquela sensação fantástica. Nenhuma outra onda que peguei desde então chegou aos pés daqueles tubos de Hanalei Bay.
Na noite de minha despedida, o Alex e a Brenda capricharam no look e me levaram a um sofisticado restaurante Tailandês que, se não me engano, ficava em Waikiki. A noite foi ótima e divertida, com muita conversa e risadas, relembrando as aventuras da minha passagem pelas ilhas do Hawaii.
Não lembro o que comi, porém lembro que era ultra-mega-blaster-caliente!! Não sou exatamente um bom garfo para comidas exóticas, mas a boa companhia e o vibe da despedida fizeram tudo valer a pena. Brindamos à nossa amizade e no dia seguinte eu embarcaria de volta à New York.
Alex me deu uma grande dica em como voar para a ilha do Kawai - pegando carona no avião de uma amiga. Achei uma maravilha! Ocorre que a amiga era instrutora de voo, e a viagem seria de treinamento com um aprendiz pilotando. Encaixamos a prancha entre os bancos, como se fora um carro, e partimos para o Kawai.
Confesso que voando naquele aviãozinho sacolejando sobre o oceano não foi das experiências mais satisfatórias! Felizmente deu tudo certo e pousamos em segurança. No retorno para Oahu, por via das dúvidas, optei por uma companhia aérea normal!
Como eu não tinha muita grana, e no Hawaii é fácil encontrar um parque público de praia com chuveiros e banheiros, eu decidi que economizaria em hotéis e dormiria no carro alugado. Na primeira noite, assim que escureceu, eu baixei o banco da frente, de passageiro, e me preparei para dormir, quando senti que alguma coisa estava estranha.
Liguei a lanterna e descobri que o carro estava infestado de baratas! Centenas de baratas para todo lado! Corri, então, para um mercadinho local e comprei inseticida spray e passeI em todo carro! Depois que a fumaça baixou, deitei para dormir.. o que não aconteceu por um bom tempo!
Kauai näo foi apenas onde peguei minhas melhores ondas, foi também palco de um inusitado voo...
Já comentei que uma das primeiras coisas que me impressionou em relação às ondas do Hawaii foi a potência da onda. Essa história aconteceu surfando no Kauai... depois de descer uma onda, e ver que ela iria fechar, rapidamente virei a prancha para sair, apontando o bico para cima. A velocidade em que eu estava acabou me ejetando da onda, me projetando por vårios metros no ar... näo sei que altura voei, mas parecia uma eternidade! Lembro de ter tempo de me preocupar com a possibilidade de cair sobre a prancha... no fim deu tudo certo e näo me machuquei. Mas nunca esqueci aquele voo... até hoje nunca houve outro igual.
Gratidão imensa a todos que contribuíram, de forma direta ou indireta, para a viabilização e sucesso desta surf trip:
Alex & Brenda, pelo carinho e hospitalidade ⚬
Linda, pelos inúmeros tours pela ilha de Oahu ⚬
A instrutora de voo que me levou para o Kauai (não lembro o nome dela) ⚬
Eimy (@revealhawaiimedia808) pelas fantásticas imagens de drone de Diamond Head e Laniakea ⚬
Heloisa Leite, Angela Rocha e Agrícola Bethlem, do COPPEAD, por me indicarem para NYU ⚬
À CAPES e CNPq, cujas bolsas de estudo viabilizaram minha ida à NYU ⚬
Ao time de Noah's Ark Moving Mavin, que me acolheu tão bem e cujo fruto do trabalho me permitiu pagar a viagem ao Hawaii ⚬
...e meus pais, Pamela e Dennis, pelo suporte durante a viagem.