Por muitas razões o Peru é um dos primeiros destinos de brasileiros em busca de ondas de nível internacional – é um voo rápido, financeiramente acessível, ondas com níveis de dificuldade variadas e o swell de outro oceano, o Pacífico. Eu já havia viajado para o Peru a trabalho, porém não tive a chance de surfar aquelas ondas clássicas. A oportunidade veio no início de 2014, quando um amigo comentou que tinha se cadastrado num grupo de surf para passar duas semanas surfando no Peru. O plano era ficar baseado em Punta Hermosa e também ir à Lobitos, um pouco mais ao norte. Me empolguei e em Abril de 2014 finalmente empacotei a prancha com destino àquele país.
Nessa viagem levei a mesma prancha que havia levado para a Costa Rica, uma triquilha thruster 6’2″ round tail, shapeada pelo meu amigo Pastor. É uma prancha versátil, bom volume para a remada e design progressivo para velocidade e manobras. Como todo cuidado é pouco no que tange proteção da prancha para a viagem, embrulhei ela em 3 capas.
Depois de 5 horas e meia de voo, e mais duas horas de carro, finalmente cheguei em Punta Hermosa, na simpática pousada para surfistas Luisfer (@luisfer_surf_camp). No hotel estavam hospedados cerca de 15 outros surfistas, que compunham o grupo da surf trip.
No primeiro dia de surf entrou um swell grande no Peru, e o grupo partiu para buscar um local que desse para pegar algumas ondas.
Paramos em Porto Viejo, que fica a uma meia hora de Punta Hermosa. As séries eram grandes e o grupo demorou para definir se cairíamos lá mesmo. Acabamos ficando e apenas uma parte do grupo entrou na água. Eu fiquei de fora. Senti que aquele mar ia dar mais trabalho do que alegria, e de fato apenas o líder do grupo conseguiu pegar onda, os demais levaram caldo. Um dos garotos que entrou na água depois falou comigo que só levou na cabeça, coitado.
No final do dia, além de sermos brindados com o famoso pôr do sol Peruano, tivemos que desatolar a pickup que ficou presa nas areias da praia. Foi uma função danada mas no final deu tudo certo e pudemos voltar pra Punta Hermosa.
No segundo dia constatamos logo de manhã que o mar havia subido ainda mais. Decidimos dar uma volta para verificar as opções disponíveis, e dar uma passada em Pico Alto, onde rolava um torneio de ondas grandes, o Quiksilver Pico Alto Classic Pro. O evento contou com a participação do dono da nossa pousada, o Luisfer, que é um big rider local, e foi vencida pelo Miguel Tudela, surfista natural de Punta Hermosa, que em 2021 se classificou para Pipe Invitational, onde ficou em 2º lugar e uma vaga como wildcard no Billabong Pipe Masters. Miguel também representou o Peru nos Jogos Mundiais de Surf da ISA (International Surfing Association) em 2021.
O dia estava com céu limpo e altas ondas (literalmente), garantindo um evento de altíssimo nível. Uma das coisas que me impressionou, além do tamanho das ondas, foi como elas quebravam distantes da costa. A distância da praia até o local onde as ondas quebravam devia ser de um quilômetro, aproximadamente. No local do evento tinha uma barraquinha vendendo um sanduíche de linguiça, levemente apimentada, que achei uma marrrravilha! Acabei comendo dois!!
No terceiro dia o mar continuava alto. Resolvemos buscar outros picos, mais ao sul de Punta Hermosa. Depois de dirigir por um bom tempo, chegamos em Cerro Azul, onde constatamos que não havia a mínima condição para surf. Como estava próximo ao almoço, resolvemos comer em um restaurante de frente à praia onde a galera se acabou no ceviche. Depois do almoço demos uma caminhada pela praia e andamos no pier. Na sequencia partimos para outro pico, Puerto Fiel, que tampouco oferecia condições e resolvemos ir para Puerto Viejo em uma última tentativa. Chegamos lá e apesar de estar razoavelmente grande o pico oferecia um canto para entrarmos e resolvemos tentar a sorte. Foi um surf de muita remada, porém fomos recompensados com algumas boas ondas. O final de tarde ficou muito melhor depois de uma session de surf.
O nosso terceiro dia no Peru começou cedo, muito cedo. Combinamos de sair às 5:00 da manhã para surfarmos em um pico distante uns 300 quilometros. Acordei então às 4:30 da manhã, e no horário combinado estávamos pegando a estrada em direção a Bermejo. Foram 5 horas de viagem, e o único causo curioso ocorreu quando nossa van destruiu uma cancela de pedágio. O condutor da van não viu que a cancela baixou e foi direto, destruindo-a.. nem preciso dizer que aí foi aquele perrengue.. veio o pessoal do pedágio, a polícia rodoviária, todo mundo querendo falar com os gringos destruidores de cancela.. bem, para encurtar a estória, depois de muito bla-bla-bla, deixaram-nos seguir viagem.
Por volta das 10 da manhã chegamos a Bermejo. Uma praia deserta, de areia escura e pedras, que tem no canto esquerdo uma onda longa e comprida. O mar estava stormy e havia uma forte correnteza que evidenciou a falta que me fez uma adequada preparação fisica para a surf trip. Quando fui para Costa Rica me preparei com um mês de antecedência, nadando 4 a 5 vezes por semana. Desta vez, por conta principalmente de minhas viagens a trabalho, não pude repetir a rotina. De qualquer forma peguei boas ondas. No final da onda chegava a sentir as pernas. Encerrei o expediente exausto e satisfeito!
Depois do intenso sábado, domingo foi um dia preguiçoso para todos no grupo. Acordamos tarde, por volta das 8:00hrs (tarde para padrões de surfista, claro) e decidimos que iríamos na surf shop de Punta Hermosa. O lugar tem preços muito melhores comparado com o Brasil, e haviam várias pessoas no grupo retornando e que queriam fazer compras antes de ir embora. Eu fui na leva e comprei quilhas mais condizentes com o tipo de onda local. Ao retornar, após o almoço, resolvi pegar umas ondinhas mais tranquilas, num canto que tem próximo ao hotel, chamado La Isla. Foi um surf "no stress" só para mexer a musculatura, e estrear as quilhas novas. Dá para ir a pé para esta praia, e o caminho passa por um simpático condomínio em frente às praias Playa Blanca, Playa Negra e Playa Punta Hermosa. Entre o condomínio e o mar, há numa orla urbanizada com motivos de surf, como banco de concreto em formato de pranchas e "tablas" de surf desenhadas no chão.
O dia 29 de abril de 2014 definitivamente vai entrar para minha lista de dias de surf especiais. Aconteceu numa ilhota chamada San Gallan. Uma reserva natural de proteção de vida marinha, repleta de focas e leões marinhos, e que tem um pico de surf maravilhoso. A ondulação vem do oceano contornando o perímetro da ilha, e nesse pico encontra o fundo de pedra para formar uma direita perfeita, veloz, aberta e longa.
Para chegar nesse pico rodamos uns 220 quilômetros na noite anterior, dormimos em uma pousadinha em Paracas, cidade costeira de onde sai o bote para a ilha, um traslado que leva cerca de uma hora. Acordamos às 5:00hs da manhã e às 8:00hs chegamos no point onde rolavam as ondas.
Ao chegar no pico, fomos recepcionados por várias focas e leões marinhos que, curiosos, nadavam em nossa direção e colocavam a cabeça fora d'agua, às vezes meio corpo. Cena que se repetiu conosco o tempo todo que ficamos surfando. Muitas vezes do nosso lado, dando o maior susto. Parecia que eu estava em um vídeo da National Geographic!
Uma cena curiosa aconteceu com o mais jovem do grupo, Guilherme, que, sentado na prancha esperando a onda, foi surpreendido por uma foquinha que literalmente pulou em seu colo!
Fauna marinha à parte, o local tem uma onda perfeita. Não há praia, então o bote fica como base, e ficamos a maior parte do tempo dentro da água. As ondas quebram sempre no mesmo lugar, as maiores um pouco mais no outside e há um canal para chegar fácil no pico. E como já mencionado, uma direita maravilhosa. Peguei altas ondas, uma em especial, da série, que figura entre uma das melhores ondas que peguei na vida. Às 13:30hrs, exaustos, encerramos a sessão. Foram 5 horas inesquecíveis. Obrigado San Gallan!
Para finalizar este bloco sobre este que foi uma das surf sessions mais especiais de minha vida, busquei no YouTube algum vídeo que pudesse retratar melhor toda a magia da ilha de San Gallan, com sua fauna marinha e ondas perfeitas, e encontrei este vídeo, produzido pela G-Shock Peru.
O video foi publicado em 2014, mesmo ano da minha surftrip, e mostra os surfistas peruanos Carlo Mario Zapata e Miguel Tudela, o mesmo surfista que mais acima aparece como vencedor do Quicksilver Pico Alto Classic Pro.
Com altas ondas, uma trilha sonora gostosa, performance top dos surfistas e até uma foca pegando onda, o vídeo ficou demais, vale assistir!
Depois de surfar San Gallan fiquei com a certeza de que nada superaria aquela experiência nesta surftrip. De fato, o mar baixou, e surfamos outros picos como Porto Viejo e El Pasito com intensidade bem menor.
Ao sul de Punta Hermosa fica a famosa praia de Punta Rocas, um point break bem conhecido na comunidade do surf. A praia proporciona ondas longas, consistentes e com grande potência, podendo ser um desafio até para surfistas mais experientes.
E foi nessa praia que nosso amigo Leo teve um grande prejuízo... rompeu sua prancha no meio ao descer uma das ondas. A visão de uma prancha quebrada ao meio é sempre desoladora...
Depois de 8 dias comendo apenas lanches e a comida da pousada, resolvemos ir no Friday's em Lima. O grupo foi acompanhar o embarque do Johnny Boy e Darcy de retorno ao Brasil, e aproveitamos para almoçar com estilo. Foi ótimo matar saudade de um bom pedaço de filet mignon!!
Com o mar baixando, e ainda saboreando as memórias incríveis da ilha de San Gallan, encarei os dois últimos dias com um certo zen-budismo, bem tranquilamente.. No penúltimo dia estava um fantástico dia sol, e parti com o Guga, Edgar e Guilherme para conferir varios picos tentando encontrar algum que valesse a caída. A água estava cristalina conforme pode-se conferir nas fotos.
De todos os picos que olhamos, a que melhor apresentava condições era em San Bartolo, uma enseadazinha com dois moles de pedra onde rolava um meio metrinho para os dois lados. Quando voltamos, mais para o final de tarde, já não estava tão bom, pois tinha baixado mais um pouco, mas ainda assim valeu a caída. A remada para o pico foi feito com muito cuidado, pois haviam muitas pedras próximas à superficie e ninguém queria bater nelas com a prancha ou quilha. Depois, já no pico, perguntei a um local qual o melhor ponto da praia para sair, que tivesse menos pedras, e ele me indicou o lado oposto ao que entramos. E, de fato, ao sair não haviam pedras no caminho. Nada como aproveitar o know-how local!
A pousada do Luisfer tem uma quadra dura de tênis, e num dia sem onda resolvemos usá-la. Só que ao invés de jogarmos tênis, improvisamos um foot-tennis, mistura de foot-volei e tênis...
Começamos jogando uma dupla o Leo, Edgar, Guilherme e eu. Após o primeiro jogo o Leo sentiu a virilha e então jogamos uma triangulação de simples. E não é que o 'tiozinho' aqui faturou a garotada e saiu invicto? kkkk
Punta Hermosa tem um skate park bem legalzinho. Trata-se de uma pista de banks, com transições suaves e fácil de andar. É diversão garantida para dias flat...vale a conferida!
Conheci um casal gaúcho simpatissíssimo - Chris e Lisa. Ele já havia vindo surfar em Punta Hermosa uns 30 anos atrás, e estava fazendo uma viagem para matar as saudades e mostrar o Peru à Lisa.
Tudo normal, exceto que morri de rir com um detalhe da passagem deles aqui na pousada. Sim, passagem, porque a Lisa me disse que no primeiro dia que chegaram e ela viu a pousada falou "o que é isso?? quero ir para o Hilton!" ...e lá se foi a visão romântica do meu amigo surfista old school ;-)
A peça rara da viagem a San Gaillan ficou por conta do recepcionista noturno de um dos hotéis que avaliamos em Paracas, vilarejo de onde sai o barco para a ilha de San Gallan. Ele era um baixinho figuraça que falava pelos cotovelos, muito engraçado. Lá pelas tantas ele falou que o nome dele era Ronaldo Ronaldinho. Não preciso nem dizer como foi a reação da galera, todo mundo gritou "ahh.. fala sériooo" "esse é 171 !!", até que o rapaz sacou a carteira de identidade.. estava lá "Ronaldo Ronaldiño Taboada Perez" !!! ...e pra quem achar que isso é história de surfista, segue a foto!
O CADES, organizador da surf trip para o Peru, é uma ONG que, além de diversas atividades também promove o projeto social chamado RIO SURFE SOCIAL, que oferece atividades esportivas e educacionais gratuitas para crianças e adolecentes de baixa renda da região do Recreio dos Bandeirantes. São aulas de surfe, skate, capoeira, jiu-jitsu, muay thay, ecologia, sustentabilidade, atendimento fisioterápico e inglês inteiramente grátis para estas comunidades, contando com a ajuda de empresas, pessoas físicas e voluntários.
Visando fazer uma pequena contribuição para esta iniciativa social, estive com a Victoria na sede do CADES para fazer a entrega de um pranchão e uma roupa de borracha, doados pela Victoria, bem como outros artigos de vestuário como camisetas e bermudas de surf, doados pelo Felipe e por mim.
Pedro Robalinho, Henry e Luiz Antonio, coordenadores do projeto social, nos receberam de braços abertos, e agradeceram a doação, que contribuirá mais um pouco para que a RIO SURFE SOCIAL dê continuidade às suas atividades de responsabilidade social.
Para saber mais sobre a RIO SURFE SOCIAL, clique neste link.